quarta-feira, dezembro 14, 2011

A FIESP e os Juros Altos (Reviravolta na Blogosfera Brasileira)

Um dos principais blogs brasileiros de economia, "A Consciência de Dois Liberais", escrito pelos USPianos Fabio Kanczuk e Celso Toledo, foi descontinuado desde o início do mês após uma forte crítica ao posicionamento político da FIESP. Antes que o site deles seja apagado do domínio da Exame.com, vou transcrever o post aqui. Algumas das passagens são quase que pedagógicas para alunos de economia.


Há alguns dias, a TV Globo me convidou a comentar um estudo preparado pela FIESP sobre a questão dos juros altos no Brasil. Para quem tiver paciência de ver o vídeo, o arquivo está aqui.

É normal que as partes puxem a brasa para suas sardinhas no debate de questões econômicas. Afinal, não há verdades indiscutíveis e, convenhamos, o juro realmente é muito alto no Brasil. Não conheço brasileiro que não deseje ver as taxas menores.

Feito o comentário, há um limite a partir do qual a adoção de artimanhas retóricas para a defesa de teses reconhecidamente falsas beira o desrespeito. O estudo apresentado é um festival de equívocos que salta aos olhos mesmo quando se leva em conta o baixo nível geral da discussão cotidiana sobre assuntos econômicos por aqui.

O que leva uma entidade tradicional a arranhar a reputação de forma tão pouco lisonjeira?

O fato de os juros serem altos no Brasil é amplamente conhecido. Ao fazer alarde para o fato, a FIESP anuncia com solenidade o descobrimento da América. A parte interessante e inacreditavelmente simplória do estudo é a conclusão de que o fenômeno é obra perversa de quem não quer que a economia brasileira se desenvolva.

Na tentativa de dar credibilidade a esta preciosidade, o estudo lança mão de falácias que não sobrevivem até mesmo a uma inspeção diagonal das páginas. Uma delas é tão óbvia que foi rapidamente identificada por uma pessoa de bom senso – não economista – que estava perto enquanto passava os olhos pela obra prima antes da entrevista.

Mencionar aqui, por exemplo, o problema tão conhecido de relações espúrias seria alçar o trabalho a um patamar de seriedade que, evidentemente, ele nunca teve a pretensão de alcançar. O espetáculo vai longe e envolve seleção parcial e criteriosa de dados favoráveis ao argumento, adoção de vínculos causais inexistentes – enfim, um verdadeiro laboratório para quem quiser ver na prática a aplicação da “arte de estar correto” de Schopenhauer.

As tentativas honestas para explicar o fenômeno dos juros altos têm consumido neurônios de alguns dos melhores economistas do país – vejam, por exemplo, este texto e a bibliografia sugerida. A questão é complicada e nenhuma explicação isolada é capaz de explicar satisfatoriamente o problema.

Provavelmente, os juros são altos por uma soma de fatores como (i) o histórico de instabilidade (felizmente cada vez mais distante), (ii) a atrofia do mercado de crédito (e o fato dela estar diminuindo), (iii) as restrições à alocação livre de recursos financeiros, (iv) a atuação maciça do governo como emprestador de recursos com taxas subsidiadas, (v) a lentidão do judiciário e a precariedade das regras de proteção ao credor e (vi) a propensão a gastar do setor público.


Apesar de tudo isso, os juros têm caído sistematicamente, indicando que a superação gradual de alguns óbices e a condução da política monetária com responsabilidade (procedimento que a FIESP propõe implicitamente abandonar) têm feito com que, gradualmente, a jabuticaba deixe de existir – o ponto é corretamente frisado pelo Sardenberg no vídeo.

A questão realmente relevante – que a FIESP em momento algum procura responder – é saber por que a demanda agregada cresce tanto aqui no Brasil apesar do patamar elevado das taxas de juros (agradeço ao Bernard Appy por me fazer olhar a questão sob este prisma). Alternativamente, deve-se indagar porque a inflação resiste em cair apesar dos juros recordistas. Ou ainda, porque os juros altos não inibem a demanda de crédito.

O Genilson Santana – vulgo Totó – criticou-me por escrever textos longos e, nesta altura, passei novamente do razoável. Comentarei oportunamente estas questões em um próximo post.

Em tempo, tenho amigos de longa data que trabalham na FIESP e que, tenho certeza, não concordam com uma vírgula do que está na apresentação – independentemente de terem ou não participado do projeto.


É caso de concordar com a FIESP ou com os dois economistas? Uma coisa ficou clara: os primeiros levantaram um discurso do tipo "nós geramos empregos, renda e desenvolvimento e por isso somos moralmente superior aos outros; logo estamos certos mesmo quando estamos errados". Os últimos, por outro lado, levantaram hipóteses testáveis sobre a baixa elasticidade da inflação frente aos juros no Brasil.

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