terça-feira, outubro 26, 2010

Os Dois Planos Reais - A Política Econômica no Governo FHC

Texto que escrevi em 2005, e foi esquecido numa pasta do meu computador.

O política econômica do primeiro governo FHC foi dominada pelo tema da manutenção da estabilidade macroeconômica conquistada com a implementação do Plano Real, ao final do governo de Itamar Franco. A estratégia de manter a estabilidade consistiu, em primeiro lugar, em manter uma taxa de câmbio valorizada, controlada pelas autoridades monetárias em um sistema de bandas - no qual é permitida a flutuação do câmbio dentro de um limite estipulado pelo Banco Central. Com o câmbio valorizado, abriu-se um estímulo às importações de bens, principalmente de consumo, o que, por aumentar a oferta interna de produtos, foi capaz de satisfazer o crescimento da demanda da população por esse tipo de bens, característico dos períodos de estabilização (como conseqüência do fim do imposto inflacionário, que restringe a renda disponível das pessoas). Assim, com o crescimento das importações, a expansão da demanda não exercia pressão contra os preços internos, tal como aconteceu durante o plano Cruzado. O câmbio era ajustado com minidesvalorizações decididas pelo Bacen.

A política monetária do período consistiu na manutenção de elevadas taxas de juros internas, para que o diferencial das taxas internacionais atraísse para o país investimentos estrangeiros em portfólio, de modo a compensar os déficits comerciais provocados pelo câmbio valorizado. Além disso, mantia-se um aperto creditício como uma outra forma de segurar a expansão da demanda interna, preservando assim a estabilidade de preços.

Contudo, o primeiro governo FHC apresentava dois graves desequilíbrios econômicos:

Desequilíbrio externo - os déficits na balança comercial, devido à manipulação do câmbio em níveis valorizados, exigiam que o país, para não perder reservas, atraísse fluxos de capitais estrangeiros. Esses capitais vinham, em parte, de investimentos diretos, estimulados pelas privatizações. Mas a maior parte desses montantes vinha de investimentos em portfólio, isto é, em capitais voláteis de curto prazo. Desse modo, a preservação da política econômica tornou-se vinculada às condições dos mercados financeiros internacionais e à credibilidade do país frente aos seus credores. Isso sem falar que os investimentos estrangeiros, de curto ou de longo prazos, provocarvam saídas de capitais do país pela conta de serviços, na forma de remessas de lucros e de juros, o que agravava a situação da conta corrente.

Desequilíbrio fiscal - a política de alta taxa de juros pressionava as despesas financeiras do governo, prejudicando dessa forma as suas contas. Mas, fundamentalmente, destacava-se o fenômeno "Efeito Tanzi-às-avessas", em que a estabilização da economia, por desindexar as receitas do governo e não permitir a desvalorização inflacionária de seus gastos orçados, acabava por prejudicar a situação fiscal do Estado brasileiro. Mesmo as políticas restritivas adotadas no período (como o PAI e as desvinculações de recursos) se mostraram insuficientes para equilibrar as contas públicas.

Ora, com déficit público constante e desequilíbrio externo crescente, foi natural que um plano econômico tão fundamentado na credibilidade perante os investidores internacionais (para atrair capitais externos) começasse a sofrer com o ceticismo por parte desses, o que passou a complicar a entrada de nocos capitais na economia brasileira. Assim, o Real passou a sofrer uma série de choques e ataques especulativos, provenientes de contágios das crises externas (1995, 1997 e 1998), manifestados pelo receio que os investidores internacionais tinham de uma súbita desvalorização da moeda brasileira. Como esses choques eram combatidos com elevações da taxa de juros (para segurar os capitais no país), a situação fiscal agravava-se cada vez mais.

Por isso, a desvalorização do Real em 1999, no início do segundo governo FHC, se tornou inevitável, dada a queima de reservas do país com os ataques especulativos. Ou seja, o choque econômico brasileiro apresentou dois componentes "clássicos" de crise - desequilíbrios externo e fiscal - e um componente comportamental dos intestidores internacionais, que tornaram a desvalorização do Real uma profecia auto-realizada . Isso porque, com a com a perda de credibilidade da política econômica em termos de risco percebido de desvalorização cambial, houve ataques especulativos contra as reservas nacionais. Como, com isso, o governo perdia recursos para intervir no câmbio, a desvalorização tornou-se inevitável.

Assim, em 1999, quando Armínio Fraga assumiu a presidência do Bacen, as novas diretrizes de política econômica consistiram em:

- Sistema de metas de inflação: o COPOM passou a definir metas de inflação a serem atingidas em cada ano e a taxa de juros passou a ser usada para fazer convergir a inflação real com a meta;

- Câmbio flutuante: agora, o câmbio é a variável para alcançar-se o equilíbrio das contas externas;

- Superávits primários: para contornar o desequilíbrio fiscal, o governo buscou traçar metas crescentes anuais para o seu resultado primário. Este ítem foi aprovado em acordo com o FMI, em troca de repasse de US$ 43 bilhões em empréstimos.

- Reformas institucionais, como a Previdência e a Lei de Responsabilidade Fiscal, conseguidas via novas alianças políticas.

É importante lembrar que o câmbio flutuante desvalorizado conseguiu equilibrar a conta corrente brasileira, o que tornou a economia nacional menos dependente de Investimentos Diretos Estrangeiros para se equilibrar e, conseqüentemente, "esfriou" o programa de privatizações.

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