quarta-feira, dezembro 13, 2006

O Arquipélago em Chamas - Júlio Verne

Isto sim é Júlio Verne!

O romance "O Arquipélago em Chamas", de Júlio Verne, descreve uma história ambientada na guerra de independência da Grécia contra o Império Otomano, na década de 1820. O enredo em si é bastante simples, e meio clichesado: uma donzela romantisada herdeira de uma fortuna de seu pai banqueiro se apaixona por um oficial francês empenhado na guerra, mas foi prometida por seu pai a um temido pirata, a quem seu pai devia dinheiro. Então, o oficial francês, bonzinho, e o pirata, malvado, se juram de morte até o último capítulo, em que lutam até a morte com um final previsível. Mas, apesar disso, a leitura dessa obra é recomendável pela verdadeira aula de história e geografia que fornece ao leitor.

Em primeiro lugar, quem tiver um mapa detalhado das ilhas gragas e do sudeste europeu, é bom que tenha presente em mãos enquanto lê o livro. Várias passagens da obra, e quase capítulos inteiros, se tratam exclusivamente da descrição detalhada das pequenas regiões do arquipélago grego, em termos não apenas físicos e paisagísticos, mas também históricos, mitológicos e culturais. Muitos leitores, como eu, podem se sentir literalmente perdidos diante de tantas descrições de lugares remotos, mas é verdade que essas passagens alimentam a vontade de conhecer os lugares descritos.

Em termos históricos, como já referido, a obra conta a história da formação do Estado Nacional grego, formado a partir de uma violenta guerra contra o Império Turco Otomano. Nessa guerra, que apesar de ser vitoriosa politicamente para a Grécia, teve custos humanos incalculáveis, o que de fato pesou para a vitória dos rebeldes gregos contra o Império foi a adesão em massa dos países da Santa Aliança (incluindo principalmente a Inglaterra, França e Rússia) em favor da causa grega, incluindo ajuda técnica, operacional e militar. Tais fatos dão um bom insight sobre o que estava acontecendo no que diz respeito às relações internacionais da época (década de 1820).

Após a queda de Napoleão (1815), as principais potências européias, em processo de industrialização (umas mais avançadas, como a Inglaterra, do que outras, como a Rússia), e com Estados Nacionais consolidados, ou em via de consolidação (como Itália e Alemanha), decidem se unir em um congresso, decidindo abandonar as intermináveis guerras que vinham travando desde o início de suas histórias, para formar um corpo político de ajuda e cooperação mútua (a Santa Aliança), deixando seus membros mais livres para fomentar o progresso de seus sistemas econômicos e a expansão política e militar para cima de territórios da África e da Ásia, inclusive se unindo contra forças imperiais regionais que ameaçassem sua supremacia.

Assim, o contexto histórico do livro mostra o choque de sistemas político-econômicos que aconteceu nesse período. De um lado, temos o Império Otomano ainda preso às tradições coloniais-mercantilistas dos séculos XVI e XVII, com economia baseada na escravidão e na colônia de exploração, sendo a riqueza concentrada em uma região chamada Ásia Menor (atual oeste da Turquia), em que as cidades de Istanbul e Ezmirna serviam como as grandes metrópoles comerciais. Do outro lado, e em oposição, temos a Santa Aliança, formada pelos países mais ricos e poderosos do mundo naquela época. Seus membros, em grande parte (isto é, fora a Rússia), já haviam superado a forma comercial-mercantilista do capitalismo, e já entravam na II Revolução Industrial. Neles, as relações assalariadas de trabalho já haviam superado as de servidão, e a indústria, e não o comércio, se tornava o carro-chefe de suas economias. Seu objetivo principal, em termos de política externa, era de buscar expandir o comércio internacional e sua influência política sobre o mundo não-industrial, sendo necessário, para isso, enfraquecer, ou mesmo destruir, antigos impérios locais de organização institucional e econômica mais arcaica, como o Império Otomano, a Pérsia, a Índia e a China. E entre essas duas massas políticas e militares, o autor coloca a Grécia como um personagem que busca sua liberdade de maneira valente e combativa, aceitando a ajuda da Santa Aliança, mas que em seu interior ainda conserva elementos considerados antiquados, como o barbarismo de algumas regiões, a anarquia em termos de nação, as rivalidades regionais, e a pirataria generalizada em quase todas as suas ilhas, elementos os quais estavam sendo derrotados pelas forças aliadas na guerra, e desaparecendo do memso modo do que o domínio turco.

Obviamente, essa abordagem de Júlio Verne foi otimista demais em relação ao futuro da Grécia. Após a guerra de independência, várias ilhas gregas tornaram-se protetorado de França e Inglaterra, quebrando a unidade nacional, o país continuou envolvido em guerras contra os vizinhos e continuou sendo um dos mais pobres da Europa até meados do século XX.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro amigo Ricardo, gostaria de usar o seu texto no meu blog dedicado ao autor Júlio Verne. Dá-me a sua autorização? Obviamente colocarei todos os créditos.
Por favor responda para o email jverne@portugalmail.pt

Cumprimentos
Frederico